Mostrar código-fonte de Livro de Jó

{{Livros do Antigo Testamento}}[[Ficheiro:Italia centrale, biblia sacra con glosse (giobbe), 1175-1200 ca. pluteo 7 dex 11, 01.jpg|thumb|direita|upright=1.4|A aflição de Jó num manuscrito [[iluminura|iluminado]] do século XII.]]
O '''Livro de Jó''' ou '''Job''' ({{lang-he|אִיוֹב}}, ''Iyov'') é um dos livros da seção dos "Escritos" (''[[Ketuvim]]'') da [[Bíblia hebraica]] ([[Tanakh|Tanach]]) e o primeiro dos [[livros poéticos do Antigo Testamento]] da [[Bíblia]] cristã{{sfn|Hartley|1988|p=3}}.  A narrativa aborda o problema da [[teodiceia]] — a justificação da justiça de Deus à luz do sofrimento da humanidade{{sfn|Lawson|2005|p=11}} — e é uma rica obra [[teologia|teológica]] que apresenta diversas perspectivas sobre a questão{{sfn|Seow|2013|p=87}}. O texto tem sido amplamente elogiado por suas qualidades, com [[Alfred Tennyson]] chamando-o de ''"o maior poema dos tempos antigos e modernos"''{{sfn|Seow|2013|p=74}}.

== Estrutura ==
[[Imagem:Job-lc3a9on-bonnat.png|thumb|direita|Jó<br><small>1880. Por [[Léon Bonnat]].</small>]]
O Livro de Jó é constituído por um [[prólogo]] e um [[epílogo]] em [[prosa]] emoldurando diálogos e [[monólogo]]s em [[poesia|verso]]{{sfn|Bullock|2007|p=87}}. É bastante comum entender esta moldura narrativa como sendo o coração original do livro, ampliado posteriormente por diálogos e discursos poéticos; seções do livro, como os discursos de [[Eliú]] e o poema [[sabedoria|sapiencial]] em {{citar bíblia|Jó|28}}, já foram considerados adições posteriores, mas estudos mais recentes tendem para uma unidade editorial implícita em toda a obra{{sfn|Walton|2008|p=343}}. As seções podem ser divididas da seguinte forma:

A. Prólogo, em duas cenas: a primeira na terra e a segunda, no [[céu (cristianismo)|céu]] (caps. 1-2);

B. Monólogo de abertura de Jó (cap. 3) — visto por alguns estudiosos como uma ponte entre o prólogo e o os diálogos e, por outros, como o começo dos diálogos{{sfn|Walton|2008|p=333}} — e três ciclos de diálogos entre Jó e seus amigos (caps. 4-27) — o terceiro ciclo está incompleto e o esperado discurso de [[Zofar]] foi substituído pelo poema sapiencial do capítulo 28{{sfn|Kugler|Hartin|2009|p=191}}
:1. Primeiro ciclo
:* [[Elifaz (livro de Jó)|Elifaz]] (caps. 4-5) e a resposta de Jó (caps. 6-7);
:* [[Bildade]] (cap. 8) e Jó (caps. 9-10);
:* [[Zofar]] (cap. 11) e Jó (caps. 12-14);
:2. Segundo ciclo
:*Elifaz (cap. 15) e Jó (caps. 16–17);
:*Bildade (cap. 18) e Jó (cap. 19);
:*Zofar (cap. 20) e Jó (cap. 21);
:3. Terceiro ciclo
:* Elifaz (cap. 22) e Jó (caps. 23–24);
:* Bildade (cap. 25) e Jó (caps. 26–27).

C. Três monólogos
# Um "Poema à Sabedoria" (cap. 28), antigamente lido como parte da resposta de Jó e atualmente considerado pela maioria dos estudiosos como um [[interlúdio]] separado na voz do narrador{{sfn|Walton|2008|p=333}};
# Discurso final de Jó (caps. 29–31);
# Discursos de [[Eliú]] (caps. 32–37);

D. Dois discursos de Deus (caps. 38:1–40:2 e 40:6–41:34, 42:7–8), incluindo as respostas de Jó;

E. Epílogo, com a restauração de Jó (Cap. 42:9–17).

== Conteúdo ==
[[Ficheiro:The torments of Job under a swirling sky dominated by God. E Wellcome V0034340.jpg|thumb|direita|upright=1.4|Tormentos de Jó numa gravura do século XVI.]]
=== Prólogo na terra e no céu ===
O prólogo na terra mostra o justo [[Jó]] abençoado com riqueza, filhos e filhas. A cena muda para o [[céu (cristianismo)|céu]], onde Deus pergunta a [[Satã]] (''"ha-satan"'', literalmente "o acusador") a sua opinião sobre a piedade de Jó. Satã responde que ele só é piedoso por que Deus o abençoou; se Deus lhe retirasse tudo o que tinha, Jó certamente amaldiçoaria a Deus. Deus dá a Satã permissão para tomar a riqueza de Jó e para matar todos os seus filhos e servos ({{citar bíblia|Jó|1|12}}), mas, ainda assim, Jó louva a Deus: {{citar bíblia|Jó|1|21|citação=Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. Deus deu, e Deus tirou; bendito seja o nome de Deus.}}. Deus permite que Satã provoque bolhas no corpo de Jó, que permanece sentado sobre cinzas. A [[Esposa de Jó]] pede que ele renuncie a Deus e morra, mas Jó responde: {{citar bíblia|Jó|2|10|citação=Receberemos o bem da mão de Deus, e não receberemos o mal?}}.

=== Monólogo inicial de Jó e diálogos entre Jó e seus três amigos ===
Jó lamenta o dia de seu nascimento e prefere morrer, mas nem isto lhe é permitido. Seus três amigos, [[Elifaz]], o "temanita", [[Bildade]], o "suíta", e [[Zofar]], o "naamatita", o consolam. Contudo, os três não mudam a sua opinião de que o sofrimento de Jó é uma punição pelo seu pecado, pois Deus não faria com que um inocente sofresse por nada, e aconselham que Jó se arrependa e busque a misericórdia de Deus. Mas Jó lhes responde com desdém: um Deus justo não o trataria de forma tão dura, que a paciência no sofrimento é impossível e que o Criador deveria levar suas criaturas mais a sério antes de tratá-las com tanta força{{sfn|Kugler|Hartin|2009|p=190}}.

=== Três monólogos: Poema sapiencial, monólogo final de Jó e os discursos de Eliú ===
Depois dos diálogos entre Jó e seus amigos aparece um poema (o "hino à sabedoria") sobre a inacessibilidade da sabedoria: {{citar bíblia|Jó|28|12|citação=Mas onde se achará a sabedoria?}}, ele pergunta, e conclui que ela {{citar bíblia|Jó|28|21|citação=está escondida aos olhos de todos os viventes}}{{sfn|Seow|2013|p=33-34}}. Jó contrasta sua sorte anterior com sua miséria atual, o destino de um [[:wikt:pária|pária]], zombado e sofrendo. Ele protesta reafirmando sua inocência, lista os princípios que balizaram sua vida e exige que Deus lhe responda{{sfn|Sawyer|2013|p=27}}. [[Eliú]] (que até então não havia sido mencionado) intervém para afirmar que a sabedoria vem de Deus, que a revela através de sonhos e visões aos que irão declarar seu conhecimento{{sfn|Seow|2013|p=33-34}}.

=== Dois discursos de Deus ===
Deus fala na forma de um [[:wikt:redemoinho|redemoinho]]. Seus discursos não explicam o sofrimento de Jó, não defendem a justiça divina, não aceitam o confronto argumentativo exigido por Jó e nem respondem ao seu protesto de inocência{{sfn|Walton|2008|p=339}}. Ao invés disto, eles contrastam a fraqueza de Jó com a sabedoria e a onipotência divina: {{citar bíblia|Jó|38|4|citação=Onde estavas tu quando eu lançava os fundamentos da terra?}} Jó tentou uma resposta, mas o monólogo de Deus recomeça sem jamais endereçar Jó diretamente{{sfn|Sawyer|2013|p=28}}. Em {{citar bíblia|Jó|42|1|6}}, Jó dá sua resposta final confessando o poder de Deus e sua falta de conhecimento: ''"coisas demasiado maravilhosas para mim, as quais eu não conhecia"''. Antes ele havia apenas sido escutado, mas desta vez seus olhos viram Deus e {{citar bíblia|Jó|42|6|citação=me abomino a mim mesmo, e me arrependo, no pó e na cinza.}}{{sfn|Habel|1985|p=575}}.

=== Epílogo ===
Deus então diz a Elifaz que ele e seus dois amigos {{citar bíblia|Jó|42|7|citação =não tendes falado de mim o que é reto, como o meu servo Jó}}. Os três (Eliú não é mencionado) deverão oferecer um [[holocausto]] (uma oferenda a ser queimada) tendo Jó como intercessor, {{citar bíblia|Jó|42|8|citação=porque a ele o aceitarei}}. Jó recebe de volta saúde, riquezas e família e vive para ver seus descendentes chegarem à quarta geração (Jó 42:16).

== Composição ==
=== Autoria, linguagem e textos ===
Atribuído pela tradição [[rabino|rabínica]] a [[Moisés]], atualmente concorda-se que o livro foi escrito entre os séculos VII e IV a.C., com o século VI a.C. despontando como uma data mais provável por diversas razões{{sfn|Kugler|Hartin|2009|p=193}}. O autor, anônimo, certamente era um [[Tribos de Israel|israelita]], mesmo ele tendo estabelecido sua história fora de Israel, no sul de [[Edom]] ou no norte da Arábia, e feito alusões a lugares tão distantes quanto a [[Mesopotâmia]] e o [[Egito ptolemaico|Egito]]{{sfn|Seow|2013|p=44}}. Segundo o profeta do século VI a.C. [[Ezequiel (profeta)|Ezequiel]], Jó era uma pessoa antiga reconhecida pela sua justiça{{sfn|Seow|2013|p=1}} e o autor do livro escolheu este herói lendário para sua [[parábola]]{{sfn|Fokkelman|2012|p=20}}.
[[Ficheiro:Marcks Hiob Nürnberg.jpg|thumb|esquerda|"Jó"<br><small>1957. Por [[Gerhard Marcks]], na igreja de Santa Clara em [[Nuremberg]], [[Alemanha]].</small>]]
A linguagem de Jó se destaca pelo estilo conservador e pelo excepcionalmente grande número de palavras e formas sem paralelo na Bíblia{{sfn|Seow|2013|p=17}}. O estudioso judeu do século XII [[Abraham ibn Ezra|Ibn Ezra]] concluiu que o livro deve ter sido escrito em outra língua e foi depois traduzido para o [[língua hebraica|hebraico]]; estudiosos do século XX procuraram um original em [[língua aramaica|aramaico]], [[língua árabe|árabe]] ou [[língua edomita|edomita]]. Porém, uma análise mais próxima sugere que palavras ou formas estrangeiras são afetações literárias cujo objetivo era emprestar autenticidade ao cenário distante do livro{{sfn|Seow|2013|p=21-24}}.

O Livro de Jó sobreviveu em diversas versões: a hebraica ("[[texto massorético]]"), que é a origem de diversas traduções modernas, a grega (''"[[Septuaginta]]"''), produzida no Egito nos últimos séculos antes de Cristo, e em [[manuscrito]]s aramaicos e hebraicos encontrados entre os [[Manuscritos do Mar Morto]]{{sfn|Seow|2013|p=1-16}}.

=== Jó e a tradição sapiencial ===
Jó, [[Eclesiastes]], [[Livro dos Provérbios]] e [[Eclesiástico]] pertencem ao gênero da [[literatura sapiencial]] e compartilham de uma perspectiva que eles próprios chamam de "caminho da sabedoria"{{sfn|Farmer|1998|p=129}}. Sabedoria significa tanto uma forma de pensar e um conjunto de conhecimentos oriundos desta forma de pensar como também a habilidade de aplicá-lo na vida diária. Este conhecimento pode ser alcançado em parte através do esforço e em parte como dádiva de Deus, mas jamais totalmente, exceto por vontade de Deus{{sfn|Farmer|1998|p=129-130}}. Os três livros compartilham atitudes e premissas, mas diferem em suas conclusões: Provérbios faz afirmações confiantes sobre o mundo e seus caminhos que são diretamente contrariadas por Jó e Eclesiastes{{sfn|Farmer|1998|p=130-131}}. A literatura sapiencial da [[Suméria]] e da [[Babilônia (cidade)|Babilônia]] podem ser datadas no segundo milênio antes de Cristo{{sfn|Bullock|2007|p=84}}. Diversos textos da antiga Mesopotâmia e do antigo Egito apresentam paralelos com Jó{{sfn|Hartley|2008|p=346}} e, apesar de ser impossível afirmar se o autor de Jó foi influenciado por qualquer um deles, a própria existência destes textos sugere que o autor de Jó foi o resultado de uma longa tradição de reflexões sobre a existência de sofrimentos inexplicáveis{{sfn|Hartley|2008|p=360}}.

== Temas ==
Jó é uma investigação sobre o problema da justiça divina{{sfn|Bullock|2007|p=82}}. Este problema, conhecido na [[teologia]] como [[teodiceia]], pode ser descrito pela seguinte questão: "Porque os justos sofrem?"{{sfn|Lawson|2005|p=11}}. A resposta convencional em Israel na época era que Deus recompensa a virtude e pune o pecado (um princípio conhecido como "justiça retributiva"){{sfn|Hooks|2006|p=58}}. Esta tese assume um mundo no qual as escolhas e ações dos homens são moralmente importantes, mas a experiência demonstra que o sofrimento não pode ser entendido somente como uma consequência de más escolhas e ações. Por isso, o sofrimento sem mérito requer uma análise teológica{{sfn|Brueggemann|2002|p=201}}.

O conceito bíblico de justiça tinha sua origem na disposição de Deus, que ordenou a criação para o bem-estar comunitário dos homens, em fazer alianças. Justos eram os que os que estavam investidos nesta comunidade e demonstravam uma preocupação especial para com os pobres e necessitados (veja a descrição que Jó faz de sua vida em {{citar bíblia|Jó|31}}). A antítese dos justos eram os maus, que eram egoístas e gananciosos{{sfn|Brueggemann|2002|p=177-178}}. Satã questiona se existe um justo desinteressado: se Deus recompensa a justiça com prosperidade, não estariam os homens agindo justamente com base em motivos egoístas? Ele pede que Deus teste essa tese removendo a prosperidade de Jó, o mais justo de todos os servos de Deus{{sfn|Walton|2008|p=336-337}}.

O livro começa com uma moldura narrativa, dando ao leitor uma "perspectiva do olho de Deus", [[:wikt:onisciente|onisciente]], que introduz Jó como um homem de fé e piedade exemplares, ''"imaculado e direito"'', que ''"teme a Deus"'' e ''"evita o mal"''{{sfn|Hooks|2006|p=57}}{{sfn|O'Dowd|2008|p=242-243}}. Deus é quem inicia a conversa com Satã e quem aprova o sofrimento de Jó, um recurso que tem três objetivos: as explicações usuais para o sofrimento, que o sofredor cometeu algum pecado que ele próprio desconhece ou que as ações de Deus são [[:wikt:inescrutável|inescrutáveis]], são eliminadas; fica claro que não é Jó que está sendo julgado, mas a política de retribuição de Deus; e o leitor percebe claramente que o próprio Deus assume a responsabilidade pelo sofrimento de Jó{{sfn|Barton|2008|p=336}}. O contraste entre a moldura e os diálogos e monólogos poéticos, no qual Jó nunca fica sabendo das cenas iniciais no céu ou a razão de seu sofrimento, cria um senso de justaposição contraditório entre os pontos de vista humano e divino sobre o sofrimento de Jó{{sfn|Barton|2008|p=338}}.

Nos diálogos poéticos, os amigos de Jó percebem seu sofrimento e assumem que ele é culpado, pois Deus é justo. Jó, sabendo que é inocente, conclui que Deus deve ser injusto{{sfn|Seow|2013|p=97-98}}. Ele mantém sua fé durante toda a história (frustrando a tese de Satã de que a justiça é resultado da expectativa de recompensa), mas deixa claro já no seu primeiro discurso que ele concorda com seus amigos que Deus deveria recompensar (e recompensa) os justos{{sfn|Kugler|Hartin|2009|p=194}}. Eliú rejeita os argumentos de ambas as partes: Jó está errado ao acusar Deus de injustiça, pois Deus é maior do que os seres humanos, e seus amigos também, pois o sofrimento, longe de ser uma punição, pode ''"resgatar o aflito de sua aflição"'' e tornar o sofredor mais propenso à [[revelação divina|revelação]] — literalmente, a {{citar bíblia|Jó|36|15|citação=opressão lhe abre o ouvido}}{{sfn|Seow|2013|p=97-98}}.

{{citar bíblia|Jó|28}}, conhecido como "Hino à Sabedoria", introduz um outro tema, o da sabedoria divina. O hino não enfatiza a justiça retributiva e sim a inacessibilidade da sabedoria{{sfn|Dell|2003|p=356}}. A sabedoria não pode ser descoberta ou comprada segundo ele; apenas Deus sabe o significado do mundo e ele a concede apenas aos que vivem em reverência{{sfn|Hooks|2006|p=329-330}}. Deus possui a sabedoria por que compreende as complexidades do mundo ({{citar bíblia|Jó|28|24|26}}) — um tema que antecipa o discurso de Deus nos capítulos 38 a 41 com seu [[refrão]] recorrente (''"Onde estavas tu quando..."''){{sfn|Fiddes|1996|p=174}}.

Quando Deus finalmente fala, ele nem explica a razão para o sofrimento de Jó (revelada ao leitor no prólogo no céu) e nem defende sua justiça. O primeiro discurso foca em seu papel ao manter a ordem no universo: a lista de coisas que Deus pode fazer e Jó não pode demonstra a sabedoria de Deus por que a ordem é o coração da sabedoria. Jó então confessa sua falta de sabedoria, ou seja, sua incapacidade de compreender o funcionamento do cosmos e de manter a ordem nele. O segundo discurso trata do papel de Deus em controlar "[[beemote]]" e "[[leviatã (monstro)|leviatã]]" (por vezes traduzido como [[hipopótamo]] e [[crocodilo]], mas provavelmente uma representação de criaturas cósmicas primordiais; seja qual for o caso, controlá-las é uma demonstração do poder e sabedoria de Deus{{sfn|Walton|2008|p=338}}. A resposta de Jó ao discurso final de Deus é mais longo que o primeiro e mais complicado. A opinião usual é que ele admite estar errado ao desafiar Deus e se arrepende {{citar bíblia|Jó|42|6|citação=no pó e nas cinzas}}, mas o texto hebraico é difícil e uma compreensão alternativa é que Jó afirma que estava errado em se arrepender e se enlutar e não se retrata de nenhum de seus argumentos{{sfn|Sawyer|2013|p=34}}. Na porção final da moldura narrativa, Deus restaura e aumenta a prosperidade de Jó, indicando que a política divina de justiça retributiva não se alterou{{sfn|Barton|2008|p=338-339}}.

== Interpretações posteriores e influência ==
[[Ficheiro:Job Scroll.jpg|thumb|direita|[[Rolo (manuscrito)|Rolo]] de Jó.]]
[[Ficheiro:Job's Tomb2.jpg|thumb|direita|Túmulo de Jó em [[Salalah]], [[Omã]].]]
=== História das interpretações ===
No período do [[Segundo Templo]] (500 a.C. - 70 d.C.), Jó começa a ser transformado em alguém mais paciente e firme, com seu sofrimento se tornando um teste para sua virtue e uma [[:wikt:vindicação|vindicação]] da justiça para a glória de Deus{{sfn|Seow|2013|p=111}}. O processo de ''"santificação"'' de Jó começa com a tradução grega ''[[Septuaginta]]'' ({{ca.}} 200 a.C.) e foi ampliada no [[Testamento de Jó]] (século I a.C. - século I d.C.), que faz de Jó um herói da paciência{{sfn|Allen|2008|p=362-363}}. Esta interpretação presta pouca atenção ao Jó dos diálogos do livro{{sfn|Dell|1991|p=6-7}}, mas foi a tradição assumida pela [[Epístola de Tiago]] no [[Novo Testamento]], que apresenta Jó como aquele cuja paciência e resistência deveria ser copiada pelos fieis{{sfn|Allen|2008|p=362}}.

A interpretação judaica de Jó era inicialmente posivita. Ele era visto como um [[gentio]] justo que reconheceu Deus{{sfn|Allen|2008|p=364}}. Muito cedo, porém, os cristãos começaram a interpretar {{citar bíblia|Jó|19|23|29}} (versículos sobre um "redentor" que Jó espera que venha salvá-lo da ira de Deus) como uma [[profecia]] de [[Cristo]]{{sfn|Simonetti|Conti|Oden|2006|p=105-106}}; a maior parte dos estudiosos acredita que o "redentor de Jó" é ou um ser [[anjo|angelical]] ou o próprio Deus{{sfn|Hooks|2006|p=250-251}}. Com Jó visto pelos cristãos como testemunha da vinda de Cristo, a visão judaica predominante passou a ser a do "Jó blasfemo", com alguns [[rabino]]s chegando ao ponto de afirmar que ele estava sendo justamente punido por Deus por ter se omitido quando o [[faraó]] massacrou as inocentes crianças judias{{sfn|Allen|2008|p=361-362}}{{sfn|Noegel|Wheeler|2010|p=171}}.

[[Agostinho de Hipona]] escreveu que Jó havia profetizado a vinda de Cristo e [[Gregório, o Grande]], o tinha como um modelo de vida justa merecedora de respeito. O estudioso judeu medieval [[Maimônides]] afirmou que a história de Jó era uma [[parábola]] e [[Tomás de Aquino]], cristão da mesma época, escreveu um detalhado comentário sobre o livro declarando tratar-se de uma história verdadeira. Durante a [[Reforma Protestante|Reforma]], [[Martinho Lutero]] explicou como a confissão de Jó de sua própria falta de pecado e de valor próprio sublinha sua santidade; para [[João Calvino]], Jó demonstrava a doutrina da ressurreição e da certeza final da justiça divina{{sfn|Allen|2008|p=368-371}}.

O movimento moderno conhecido como teologia da criação, uma [[teologia ambiental|teologia ecológica]] que valoriza as necessidades de toda a criação, interpreta os discursos de Jó em Jó 38-41 como implicando que seus interesses e atos não estão exclusivamente focados no ser humano{{sfn|Farmer|1998|p=150}}.

=== Uso litúrgico ===
A liturgia judaica não tem leituras do Livro de Jó no mesmo sentido das leituras da [[Torá]], dos [[Nevi'im|Profetas]] ou dos [[cinco rolos|cinco ''Megillot'']], mas ele é citado em funerais e em tempos de luto. Porém, há alguns judeus, particularmente os [[sefarditas]], que realizam leituras de Jó durante o jejum de ''[[Tisha B'Av]]'' (um dia de luto sobre a destruição do [[Primeiro Templo|Primeiro]] e do [[Segundo Templo]] e outras tragédias). Os sinais da [[cantilena]] para a grande seção poética no meio do Livro de Jó difere da maioria dos livros da Bíblia, pois utiliza um sistema compartilhado apenas com os [[Livro dos Salmos|Salmos]] e os [[Livro dos Provérbios|Provérbios]].

A [[Igreja Ortodoxa]] lê de Jó e do [[Livro do Êxodo|Êxodo]] durante a [[Semana Santa]]. O Êxodo prepara para a compreensão do êxodo de Cristo até [[Deus Pai|seu Pai]], de sua realização de toda a história da salvação; Jó, o sofredor, é o ícone de Cristo no [[Antigo Testamento]]. A [[Igreja Católica]] lê de Jó durante as [[matinas]] nas primeiras duas semanas de setembro e no ofício dos mortos; na [[liturgia das horas]] revisada, Jó é lido na oitava e na nona semana do [[tempo comum]].

=== No islã e na tradição folclórica do Oriente Médio ===
Jó ({{lang-ar|ايوب}}, ''Ayyub'') é um dos 25 [[profetas (islã)|profetas]] mencionados pelo nome no [[Corão]], no qual ele é elogiado como um adorador de Deus firme e direito (Q.38:44). Sua história tem o mesmo contorno geral da história na Bíblia, mas os três amigos são substituídos pelos seus três irmãos e sua esposa se mantém ao seu lado{{sfn|Noegel|Wheeler|2010|p=171}}{{sfn|Wheeler|2002|p=8}}. No [[folclore palestino]], o local do julgamento de Jó é [[Joura|Al-Joura]], uma vila nas imediações de Al-Majdal ([[Ascalão]]). Foi lá que Deus recompensou-o com a [[Fonte da Juventude]] que removia todas as doenças e restaurava a juventude. Al-Joura realizava festas anuais que juntava fieis de todas as fés que se banhavam numa fonte natural. No [[Líbano]], a comunidade [[drusos|drusa]] construiu o templo na região de Shouf que, segundo eles, abriga o túmulo de Jó. Na [[Turquia]], Jó é conhecido como ''"Eyüp"'' e teria supostamente vivido em [[Şanlıurfa]]. Em [[Salalah]], em [[Omã]], também há um túmulo de Jó.

<!-- removida opinião pessoal do autor -->{{Referências|col=4}}

== Bibliografia ==
{{refbegin|2}}
* {{citar livro|último = Allen|primeiro = J.|capítulo= Job III: History of Interpretation|editor-sobrenome1 = Longman|editor-nome1 = Tremper|editor-sobrenome2 = Enns|editor-nome2 = Peter|título= Dictionary of the Old Testament: Wisdom, Poetry & Writings|publicado= InterVarsity Press|ano= 2008|url = https://books.google.com/books?id=kE2k36XAkv4C&pg=PA361|ref = harv|isbn = 9780830817832|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Brueggemann|primeiro = Walter|título= Reverberations of faith: a theological handbook of Old Testament themes|publicado= Westminster John Knox|ano= 2002|url = https://books.google.com/?id=dBJQ71RIpdMC&printsec=frontcover|isbn = 9780664222314|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Bullock|primeiro = C. Hassell|título= An Introduction to the Old Testament Poetic Books|publicado= Moody Publishers|ano= 2007|url = https://books.google.com/books?id=QSGZbt7isfQC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9781575674506|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Dell|primeiro = Katharine J.|capítulo= Job|editor-sobrenome1 = Dunn|editor-nome1 = James D. G. |editor-sobrenome2 = Rogerson|editor-nome2 = John William |título= Eerdmans Bible Commentary|publicado= Eerdmans|ano= 2003|url = https://books.google.com/books?id=2Vo-11umIZQC&pg=PA337|isbn = 9780802837110|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Dell|primeiro = Katherine J.|título= The Book of Job as Sceptical Literature|publicado= Walter de Gruyter|ano= 1991|url = https://books.google.com/books?id=JwkOveYRZikC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780899257051|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Farmer|primeiro = Kathleen A.|capítulo= The Wisdom Books|editor-sobrenome1 = McKenzie, |editor-nome1 = Steven L. |editor-sobrenome2 = Graham|editor-nome2 = Matt Patrick |título= The Hebrew Bible Today: An Introduction to Critical Issues|publicado= Westminster John Knox Press|ano= 1998|url = https://books.google.com/books?id=owwhpmIVgSAC&pg=PA129|ref = harv|isbn = 9780664256524|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Fiddes|primeiro = Paul|autorlink = Paul Fiddes|título= After the Exile, Essays in Honour of Rex Mason|editor-sobrenome1 = Barton|editor-nome1 = John|editor-sobrenome2 = Reimer|editor-nome2 = David |publicado= Mercer University Press|ano= 1996|capítulo= 'Where Shall Wisdom be Found?' Job 28 as a Riddle for Ancient and Modern Readers|url = https://books.google.com/books?id=sUb7EDXODOwC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780865545243|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Fokkelman|primeiro = J.P.|título= The Book of Job in Form: A Literary Translation with Commentary|publicado= BRILL|ano= 2012|url = https://books.google.com/books?id=LImUbvrCysoC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9004231587|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Hartley|primeiro = John E.|título= The book of Job|publicado= Eerdmans|ano= 1988|url = https://books.google.com/?id=f-m5GnRjDckC&printsec=frontcover|isbn = 9780802825285|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Hartley|primeiro = John E.|capítulo= Job II: Ancient Near Eastern Background|editor-sobrenome1 = Longman|editor-nome1 = Tremper|editor-sobrenome2 = Enns|editor-nome2 = Peter|título= Dictionary of the Old Testament: Wisdom, Poetry & Writings|publicado= InterVarsity Press|ano= 2008|url = https://books.google.com/books?id=kE2k36XAkv4C&pg=PA346|ref = harv|isbn = 9780830817832|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Habel|primeiro = Norman C|autorlink = Norman Habel|título= The Book of Job: A Commentary|publicado= Westminster John Knox Press|ano= 1985|url = https://books.google.com/?id=N9F1hkMuN0gC&printsec=frontcover|isbn =9780664222185|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Hooks|primeiro = Stephen M.|título= Job|publicado= College Press|ano= 2006|url = https://books.google.com/books?id=aJDCpR9qvuoC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780899008868|língua=inglês}}
* {{citar livro|último1 = Kugler|primeiro1 = Robert|último2 = Hartin|primeiro2 = Patrick J.|título= An Introduction to the Bible|publicado= Eerdmans|ano= 2009|url = https://books.google.com.au/books?id=L8WbXbPjxpoC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780802846365|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Lawson|primeiro = Steven J.|título= Job|publicado= B&H Publishing Group|ano= 2005|url = https://books.google.com/books?id=x5lkMJ92gNwC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780805494709|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Murphy|primeiro = Roland Edmund|título= The Tree of Life: An Exploration of Biblical Wisdom Literature|publicado= Eerdmans|ano= 2002|url = https://books.google.com/books?id=zKykx-9zf9EC&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9780802839657|língua=inglês}}
* {{citar livro|último1 = Noegel |primeiro1 = Scott B. |último2 = Wheeler|primeiro2 = Brannon M.|título= The A to Z of Prophets in Islam and Judaism|publicado= Scarecrow Press|ano= 2010|url = https://books.google.com/books?id=lNAWAgAAQBAJ&printsec=frontcover|ref = harv|isbn = 9781461718956 |língua=inglês}}
* {{citar livro|último = O'Dowd|primeiro = R.|capítulo= FrameNarrative|editor-sobrenome1 = Longman|editor-nome1 = Tremper|editor-sobrenome2 = Enns|editor-nome2 = Peter|título= Dictionary of the Old Testament: Wisdom, Poetry & Writings|publicado= InterVarsity Press|ano= 2008|url = https://books.google.com/books?id=kE2k36XAkv4C&pg=PA242|ref = harv|isbn = 9780830817832|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Sawyer|primeiro = John F.A.|capítulo= Job|editor-sobrenome1 = Lieb|editor-nome1 = Michael |editor-sobrenome2 = Mason|editor-nome2 = Emma|editor-sobrenome3 = Roberts|editor-nome3 = Jonathan|título= The Oxford Handbook of the Reception History of the Bible|publicado= Oxford University Press|ano= 2013|url = https://books.google.com.au/books?id=iePi5FO-bxAC&pg=PA25|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Seow|primeiro = C.L.|título= Job 1–21: Interpretation and Commentary|publicado= Eerdmans|ano= 2013|url = https://books.google.com/books?id=ZOn3ZK2n0UUC&printsec=frontcover|ref = harv|língua=inglês}}
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* {{citar livro|último = Walton|primeiro = J.H.|capítulo= Job I: Book of|editor-sobrenome1 = Longman|editor-nome1 = Tremper|editor-sobrenome2 = Enns|editor-nome2 = Peter|título= Dictionary of the Old Testament: Wisdom, Poetry & Writings|publicado= InterVarsity Press|ano= 2008|url = https://books.google.com/books?id=kE2k36XAkv4C&pg=PA333|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Wilson|primeiro = Gerald H.|autorlink = Gerald H. Wilson|título= Job|publicado= Baker Books|ano= 2012|url = https://books.google.com/books?id=Od8mk7QIO4AC&printsec=frontcover|ref = harv|língua=inglês}}
* {{citar livro|último = Wollaston|primeiro = Isabell|capítulo= Post-Holocaust Interpretations of Job|editor-sobrenome1 = Lieb|editor-nome1 = Michael |editor-sobrenome2 = Mason|editor-nome2 = Emma|editor-sobrenome3 = Roberts|editor-nome3 = Jonathan|título= The Oxford Handbook of the Reception History of the Bible|publicado= Oxford University Press|ano= 2013|url = https://books.google.com.au/books?id=iePi5FO-bxAC&pg=PA488|ref = harv|língua=inglês}}
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== Ligações externas ==
{{Wikisource|Tradução Brasileira da Bíblia/Jó}}
{{Wikiquote}}
{{commonscat|Book of Job}}
{{refbegin}}
* {{citar web|url = https://www.bibliaonline.com.br/acf/jó/1| título = Jó em várias versões da Bíblia| publicado = Bíblia Online}}
* {{citar web|url = https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/jo/ | título = Jó (Bíblia Ave Maria) | publicado = bibliacatolica.com.br | língua = português}}
* {{citar web|url = https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-matos-soares-1956/jo/ | título = Jó (Bíblia Matos Soares, 1956) | publicado = bibliacatolica.com.br | língua = português}}
* {{citar web|url = http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulgata/documents/nova-vulgata_vt_iob_lt.html| título=Livro de Jó| publicado=Vatican.va| língua = latim}}
* {{link|he|2=http://www.mechon-mamre.org/p/pt/pt2701.htm|3=אִיּוֹב - texto original}}
* {{JewishEncyclopedia|url = http://jewishencyclopedia.com/articles/8693-job-the-book-of | artigo = Job, The Book Of}}
* {{1913CE|Job}}
* [https://www.augustinus.it/spagnolo/annotazioni_giobbe/index.htm San Agustín - Anotaciones al Livro de Job] (augustinus.it)
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{{Livros da Bíblia}}

{{DEFAULTSORT:Jo}}
[[Categoria:Século VI a.C.]]
[[Categoria:Livro de Jó| ]]