Galeria Arte&Fato
A Galeria Arte&Fato é uma galeria de arte da cidade brasileira de Porto Alegre, fundada em 1985, importante pelo seu trabalho na década de 1980, dando visibilidade e possibilidade de inserção comercial a uma série de artistas em início de carreira, quando era o único espaço da cidade que dava atenção a este segmento. Prejudicada por mudanças profundas no sistema de artes e pela competição com espaços novos, a partir dos anos 1990 seu protagonismo diminuiu, embora tenha assegurado um lugar na história das artes rio-grandenses.
História
[editar | editar código-fonte]Foi fundada pelo jornalista Décio Presser e pelo designer gráfico Milton Couto, com o objetivo de promover a produção gaúcha de arte contemporânea e desenvolver projetos envolvendo a comunidade artística. Décio Presser já tinha um antigo envolvimento com a arte através do jornalismo e como sócio da Galeria do Instituto de Arquitetos do Brasil e da Galeria Tina Presser. Milton Couto era um colecionador de arte e também fora sócio da Galeria Tina Presser. Em 1982 os dois fundaram uma empresa de produção de eventos, a Arte&Fato Produções Visuais, além de atuarem como curadores de exposições. A parceria levaria à fundação da galeria em 1985.[1]
A primeira exposição, intitulada Oi Tenta (do verbo tentar), foi inaugurada em 17 de julho de 1985, apresentando 21 artistas. A exposição em seu título fazia uma alusão à emblemática mostra Como Vai Você, Geração 80?, realizada no Rio de Janeiro, num período em que a pintura, depois de um período de descrédito e descaracterização, voltava à cena internacional com grande força. A primeira sede se localizava na Rua Santo Antônio nº 226. Depois a galeria mudaria de endereço várias vezes, passando sucessivamente para a Rua Gonçalo de Carvalho nº 35, a Rua São Manuel nº 285 e a Avenida Protásio Alves nº 1893.[2][3]
A primeira exposição foi um sucesso de público e chamou significativa atenção da mídia, e em pouco tempo a galeria consolidou prestígio. Aparecendo num momento em que o mercado de arte porto-alegrense crescia e se estruturava rapidamente, privilegiando artistas iniciantes que lutavam por espaço e eram desprezados por outras galerias, a maioria egressos do Instituto de Artes da UFRGS, e mantendo uma política de preços acessíveis, sua atividade, segundo o pesquisador Felipe Caldas, significou "uma imensa abertura para este público, e este segmento é o principal responsável pela galeria tornar-se um point. [...] Como o esperado, nem todos os artistas confirmaram seus nomes, porém, parte significativa continua atuando no campo, produzindo e refletindo sobre arte".[4]
A partir da década de 1990 sua atividade decresceu gradualmente, o que Caldas e Machado atribuem a uma série de causas, incluindo a mudança para uma sede menor e mais distante do centro em 1991; importantes mudanças no sistema de artes, tanto em termos locais como nacionais e internacionais; mudanças na política econômica e cultural brasileira, que provocaram recessão e um grande desmantelamento de projetos e equipamentos culturais; competição com espaços institucionais e outras galerias, que passam a dar maior atenção aos artistas jovens; deslocamento dos colecionadores e galeristas de seu antigo papel de principais agentes de consagração, substituídos pelos curadores de museus e críticos de arte, e uma drástica retração no mercado de arte em geral. Milton Couto, que havia sido um dos grandes motores da galeria, faleceu em 2004, acentuando as dificuldades.[5][6]
Apesar disso, ainda se manteve como um local prestigiado, organizando mostras com uma série de outros nomes emergentes, como Ubiratã Braga, Maristela Salvatori, Walmor Correa, André Venzon e Túlio Pinto, que depois consolidaram sua presença em âmbito nacional.[5] Segundo Machado, "Décio Presser continua mantendo exposições de artistas que sempre transitaram por lá; por outro lado, continua acreditando na renovação do mercado. Assim, algumas exposições de cada ano são dedicadas a artistas que buscam ingressar no sistema de arte".[7] Depois da sua mudança em 2012 para a Avenida Protásio Alves, já com o novo sócio Otto Sulzbach, foram iniciados cursos de Processo Criativo e História da Arte.[8] Em fins de 2014, preparando as comemorações dos seus 30 anos de atividade em 2015, o pesquisador Felipe Caldas lançou o livro Galeria Arte&Fato: 30 anos. Segundo a Fundação Vera Chaves Barcellos, "a história da galeria revela também a história do sistema das artes e dos artistas e demais agentes deste sistema. Assim, a publicação é uma relevante fonte para estudos sobre a recente produção artística".[9] Em 2017 mantinha 60 artistas em seu portfólio.[8]
Legado
[editar | editar código-fonte]Embora tenha dado um espaço preferencial para a pintura, o desenho e a gravura, a galeria investiu consistentemente em linguagens artísticas alternativas e experimentais, estava sintonizada com o que ocorria nos principais centros do Brasil e do exterior,[10] e destacou-se no cenário artístico lançando nomes importantes da chamada Geração 80, como Lia Menna Barreto, Maria Lúcia Cattani, Rochelle Costi, Fernando Lindote, Heloísa Crocco, Ronaldo Kiel, Gaudêncio Fidelis, Dione Veiga Vieira e Jailton Moreira, entre outros.[11] Também trouxe para o estado nomes destacados da arte brasileira, como Maurício Bentes, Luiz Pizarro e Jadir Freire.[12]
Na opinião da pesquisadora Luana Brasil, a galeria foi um dos principais agentes da renovação do panorama das artes do estado, investindo "na geração que ainda não estava integrada ao sistema de arte, tendo o papel de dinamizar esse circuito artístico descobrindo novos talentos, tão necessários ao novo mercado".[13] A pesquisadora Ana Méri Machado considera que a galeria manteve importante intercâmbio com a arte do Rio Grande do Sul e de outros estados, "destacando-se sua relevante atitude de investir em jovens artistas que ainda não faziam parte do sistema de artes e que logo passaram a integrá-lo. No seu período inicial, na movimentada década de 1980, atuou de modo inovador, concedendo espaço a jovens artistas ainda sem reconhecimento, ao apresentá-los em um período frutífero no qual a pintura, renovada, impulsionou o mercado de arte".[14] Para as pesquisadoras Icleia Cattani e Maria Amélia Bulhões, a sua atividade contribuiu para familiarizar o público com o experimentalismo mais radical da arte contemporânea.[15]
Sua trajetória tem sido estudada pelos historiadores da arte gaúcha, e segundo o pesquisador Felipe Caldas, "um dos pontos mais citados a respeito da contribuição da Galeria Arte&Fato para o sistema regional é justamente a promoção de jovens artistas e arte contemporânea", tornando-se "uma referência na história da arte do Rio Grande do Sul durante a década de 1980", não tendo, à época, nenhuma concorrente no campo a que se dedicou.[16]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Caldas, Felipe Bernardes. O mercado da arte em Porto Alegre: um estudo sobre a Galeria Arte&Fato. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011, pp. 61-63
- ↑ Caldas, pp. 25-28
- ↑ Machado, Ana Méri Zavadil. Reatando os nós: Arte & Fato Galeria, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul- MAC/RS e Torreão: espaços de legitimação em Porto Alegre (1985-1997). Universidade Federal de Santa Maria, 2011, p. 40
- ↑ Caldas, pp. 32-43
- ↑ a b Caldas, pp. 124-128
- ↑ Machado, pp. 51-53
- ↑ Machado, p. 97
- ↑ a b Centeno, Mirian. "Um espaço para novos talentos". Medium, 10 de novembro de 2017
- ↑ "Publicação sobre Galeria Arte&Fato chega ao Centro de Documentação e Pesquisa". Fundação Vera Chaves Barcellos, 13 de abril de 2015
- ↑ Caldas, p. 136
- ↑ Caldas, pp. 14; 25
- ↑ Machado, p. 39
- ↑ Brasil, Luana de Siqueira. Reflexões sobre a série "Musas Inquietantes" - Revisitando 1994 de Alphonsus Benetti. Universidade Federal de Santa Maria, 2012, p. 37
- ↑ Machado, p. 11; 40
- ↑ Cattani, Icleia Borsa & Bulhões, Maria Amélia. "Experiências de Ruptura nas Artes Visuais". In: 100 anos de Artes Plásticas no Instituto de Artes da UFRGS: três ensaios. Editora da UFRGS, 2012, p. 251
- ↑ Caldas, pp. 100; 113